quinta-feira, 28 de maio de 2015

A Casa Branca

A Casa Branca,
No sábado passado estive no primeiro encontro regional de pedestrianismo. Iniciamos a caminhada na Encumeada, Fajã da Égua e Chão dos Louros. Terminado o evento os vários grupos de caminhantes reuniram-se no Chão dos Louros para confraternizar. Apelou-se à conservação dos trilhos, conservação das levadas e identificação de algum património. Numa região cuja fonte principal de receita é o turismo é inaceitável a apresentação dos nossos percursos e a degradação constante das nossas serras e montanhas.
Ao regressar ao Funchal fui convidada por uma colega do grupo para ir visitar a sua casa e tomar um copo, mesmo no final da tarde. A principio ainda recusei, alegando a hora ser tardia, mas depois convenceram-me e ainda bem que acetei o convite.
Assim que cheguei á Casa Branca, uma casa no topo do Ilhéu de Camara de Lobos, lembrei-me de um concerto ao luar que há uns anos atrás assisti naquele jardim com o grupo Madredeus, uma coisa quase surreal e mal entrei na casa pensei se o Churchill ainda fosse vivo talvez alguém o teria convidado para ali colocar o seu cavalete e desenhar a baía de Camara de Lobos.
Abaixo da Casa Branca e aos lados um casario descoordenado, tapumes a improvisar um ou outro quarto, escadarias irregulares, vasos de flores encavalitados, um misto de roupa secar e um gato a esgueirar-se pelo telhado de zinco. A paisagem cimeira composta por poios de bananeiras, algumas vinhas e casas grandes e solarengas.
A casa havia sido uma herança de um avô e em tempos idos foi uma habitação para 15 famílias, mais respetivos filhos e outro agregado familiar.
Restaurada e reconstituída de novo, o seu interior é semelhante a uma caixa, com vários compartimentos todos ligados entre si, traduzindo uma verdadeira casa de família. Minimalista, mas com uma magnificência estonteante, nem o seu exterior contrasta com o restante bairro, branca de janelas verdes, com um jardim ainda por arranjar, mas com áreas dimensionais superiores às casas vizinhas.
Logo à entrada temos uma cozinha num espaço aberto e amplo, com uma zona de arrumos e casa de banho. No primeiro andar encaixa-se a sala comum, seguindo um corredor encontramos com acesso por qualquer um dos lados da casa, o escritório, o quarto de vestir e as casas de banho, terminando ao fundo desse mesmo corredor com um quarto para cada filho. No segundo piso, o quarto do casal, suspenso, “open space”, sem barreiras e com vista sobre a sala comum.
Logo, logo, o mulherio estava todo a cochichar como seria a intimidade do casal, um espaço tão aberto, sem portas, nem cortinas. Chegamos à conclusão, de que tudo é uma questão de hábitos, cada um sabe gerir muito bem os seus espaços, proximidades e privacidade. Ela, com algum humor ainda ripostou “não grito muito”, mas percebemos claramente que aquele espaço não constitui obstáculo para nenhuma manifestação de prazer. Não são necessárias portas e janelas para separar e dividir um mundo e um espaço que é só deles.
Achei sobretudo uma casa bastante funcional e prática, despojada de utilitários dispensáveis, tapetes, cortinas, quadros, jarras de flores, bibelots, e outros adornos. Apenas nos quartos dos filhos havia varias molduras com fotografias, alguns desenhos dos miúdos feitos em crianças e uns post-its no quarto da filha, que obviamente não me atrevi a aproximar para ler.
À saída da casa e junto ao jardim uma pérgula coberta por um maracujazeiro, onde se encontra uma mesa grande e retângular pronta para uma refeição no exterior. Ainda se seguiram umas tantas selfies e fotos de grupo junto ao varandim do jardim, directamente sobranceiro à baia.
Passava das 21 horas quando abri a porta da garagem e cheguei a casa. Tudo no seu perfeito sossego, ainda descrevi ao meu marido o que tinha acabado de ver, com a eloquência de uma criança a quem se oferece um presente.
Na minha memória guardei uma casa invulgar, uma recepção calorosa e despretensiosa pela anfitriã e uns momentos descontraídos e verdadeiramente prazerosos com alguns amigos.
27-05-15

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Revolução e proibições de casa,


Revolução e proibições de casa,

Lá em casa não se falava muito em política, o meu pai tinha as suas orientações bem definidas, e não permitia dar muita vazão a espaços de tertúlia sobre o estado do país ou do regime em que se vivia.

Sei apenas que tive um avô, curiosamente do lado paterno, que era um individuo extremamente honesto e defensor dos direitos humanos.

Sei que chegava a nossa casa, escutava bem baixinho (porque era proibido) notícias que alguns portugueses exilados no estrangeiro, transmitiam em programas de rádio em onda curta, com o fim de sensibilizar os ouvintes para combater a ditadura. Sintonizava as estações de rádio para as emissões a partir de Moscovo e de Argel.

Era um homem culto e interessado pelo mundo, julgo que, com uma atitude perante a vida mais além do que a rotina de cozinheiro em casa de uma família inglesa lhe poderia permitir. Lamentavelmente não cheguei a privar com ele, morreu precocemente de cancro no pulmão.

O meu pai ia acompanhando as notícias pela TV, pela comunicação e por uns tantos amigos, que viviam em Lisboa e de vez em quando regressavam à região. A preocupação dele era porque tinha, na altura, uma filha a estudar em Lisboa.

Para ele o ambiente de revolução, rebeldia, não lhe transmitia a segurança que ele pretendia. Naqueles dias de Abril, proibiu a minha irmã de ir para a faculdade, “nada de andar pelas ruas”, “nada de participar em manifestações, nem de opinar contra o regime”. Ia sabendo novidades também através de um sobrinho dele, mais velho que a minha irmã, já alguns anos instalado na capital. A norma era, “controla-me essa rapariga”.

E no dia da Revolução, só me lembro do meu pai ter-me enviado para Santa Cruz para passar o fim de semana em casa das tias. O 25 de Abril foi um dia marcante para mim, tinha onze anos, tinha entrado na pré-adolescência e queria assistir a tudo pela televisão.

As tropas, a revolução, o povo na rua, os cravos, os tanques na avenida da liberdade, o Quartel do Carmo, as imagens eram eloquentes, e as musicas, “Grândola Vila Morena”, “E depois do Adeus”, Vejam bem “, “Eles comem tudo”.

Passei a ouvir meio clandestinamente, Zeca Afonso, Sergio Godinho, Pedro Barroso, e a ler poemas de Ary dos Santos, Adriano Correia de Oliveira e Antonio Gedeão. Todos estes cantores, poetas e escritores de intervenção causava-me um fascínio indescritível, talvez por ser o proibido, talvez por o meu pai não permitir ouvir este tipo de música em casa, sei lá, ainda hoje não fico indiferente a nenhuma destas canções.

Lamento não ter apanhado a Revolução numa fase mais crescida, pois com 11 anos, ainda andava muito concentrada em mim, a saber se ia crescer mais, se o cabelo ia ficar louro, se teria roupa nova para levar no dia seguinte à escola, ou mais quanto tempo teria de esperar para ter um namorado e sair à noite, aprender a dançar, ir para a praia e ficar morena com sardas a salpicar pela cara, ter tempo para ver as séries da TV e andar de bicicleta.

Mais tarde e ainda nas proibições da casa, e do país, o meu irmão apareceu com discos que se fartaram de tocar no nosso gira discos, o “Je taime moi non plus”, o Emanuelle, o álbum do Jesus Cristo Superstar e o Bolero de Ravel (que o meu pai detestava). O meu irmão como era mais velho e já tinha os seus amigos, fechava a porta da sala e às escuras fazia lá a sua sessão de discoteca, criava cenários, e claro, proibia-me de lá entrar.

Era nessas alturas que eu sentia vontade de ser mais crescida, os amigos dele eram todos giros, mas eu não passava de uma miúda, irrequieta e ainda por cima metediça.

Não passava da porta, mas também não saía do degrau das escadas, mesmo ao lado.

Nada podia ver mas ouvia tudo.

24-04-15

1º de Maio.


O 1º de Maio,

O meu pai nunca foi pessoa de comemorar estas datas festivas, nem o 25 de Abril, nem o 1º de Maio, mas quando éramos pequenos tenho recordações de fazermos piqueniques com os compadres e amigos dos meus pais.

O motorista levava a carrinha da Manteigaria Zarco, mas como a serra nesse dia estava cheia de gente e a minha mãe não gostava de confusões íamos para uma quinta dos Rocha Machado ou para a Fabrica de Manteiga da Fajã da Ovelha.

O primeiro de Maio vem das lutas sindicais iniciadas em Chicago por volta de 1886, cujo objectivo era reivindicar a redução da jornada de trabalho para as 8 horas.

Em Portugal este dia só veio a ser livremente comemorado depois de Abril de 1974, passando a ser considerado como um feriado. O dia mundial do trabalhador é comemorado com manifestações, comícios, festas de caracter reivindicativo. Na Madeira é um dia onde a população costuma organizar piqueniques, excursões, fazem-se uns colares especiais com umas flores amarelas, designados como “os colares de maio”.

Neste dia, e apenas quando eramos crianças, na serra reuníamo-nos com os nossos amigos, jogávamos à bola, à pilhagem e às escondidas. Levávamos a comida já pronta, um farnel bem composto, atum cozido ou de escabeche, batatas com casca, feijão cozido com casca, frango assado, carne assada, rissóis, croquetes, bolo de laranja, pão de casa, vinho e laranjada. O meu pai não se esquecia de levar um rádio para ouvir o relato da bola.

Estendia-se uma grande toalha no chão, sempre debaixo de uma árvore com uma boa sombra, distribuía-se a comida e íamos comendo calmamente. A seguir ao almoço os homens e as senhoras dormiam sempre uma sesta.

Enquanto as minhas sobrinhas ainda (os) foram pequenas repetíamos estes passeios, já depois de crescidas veio a perder-se a tradição e nunca mais voltamos a fazer os piqueniques do 1º de Maio.

Agora a data é comemorada com um dia de ausência nas nossas funções e tarefas laborais e se a temperatura já permitir aproveitamos para fazer um dia de praia, ou deleitar-nos com outros prazeres da vida.

A geração dos meus filhos não chegou a assistir nem a participar nestas festas populares, hoje eles vivem muito os arraiais/festas religiosas e as americanices do Halloween.


30-04-15

26 de Dezembro.


A primeira oitava,

O 26 de Dezembro é tolerância de ponto, assinalado como a primeira oitava, e sempre foi o dia de visitar a família, íamos invariavelmente a Santa Cruz.

Primeiro era a família do meu pai, muito pequena, resumia-se apenas a uma casa, uma tia que vivia no Sitio do Cano, mesmo por detrás do Aeroporto. Era uma casa, que durante muitos anos sempre me pareceu em obras, as paredes exteriores em cimento, só depois de já bem crescidinha, a vi caiada de branco. Faziam uns dentinhos que o meu pai gostava, carne de vinha de alhos, galinha e um bom pão de casa.

O meu pai levava para oferecer, o queijo, a manteiga, as broas e os bolos de mel. Era assim para todas as casas das tias, primos e primas.

Eu queria que naquela primeira casa, a visita fosse bem rápida, para subirmos ao Janeiro e ir às outras casas, pois a convivência com as outras primas (os) era muito maior.

No Janeiro íamos entrando de casa em casa, por vezes subíamos por cima pelo Sítio do Valente e fazíamos a visita no inverso, pela descida.

O ritual era sempre o mesmo, ver o presépio, provar o vinho, um dentinho, falar com os familiares sobre os terrenos, a família emigrada, os filhos que estavam a crescer e a vida que não para e a vida que é dura.

Tinha um primo que reservava sempre um quarto para a “lapinha,” com tudo o que ela tinha direito, aldeia, igreja, banda de música, cabrinhas, agua, musgo, luzes e pós brilhantes espalhados pelo papel pintado com viochene.

Nas outras duas casas de baixo era diferente, iam-se adaptando aos tempos modernos, sem se perder as tradições faziam-se inovações. Achava interessante os enfeites que se pendurava na parede e nas portas dos quartos, uns laços, com folhas de azevinhos e outros ramos verdes, ora ornamentados com uns sinos, às vezes umas bolas às cores, umas velas ou ainda quadrados pequeninos simbolizando presentinhos de natal. Era tudo feito com o máximo cuidado, quer na conjugação das cores, com os móveis e com os espaços diferentes, fosse na sala, no corredor ou na cozinha.

O presépio era sempre mais pequeno, mas muito delicado, um bom menino jesus, com vestido de linho e bordado madeira, utilizavam pedras, rochas e galhos para imitação da gruta, simbolizando o nascimento, a vaca e o boi. Tudo servia para demonstrar a simplicidade e a modéstia no nascimento de Jesus.

As casas estavam imaculadamente limpas. Na altura da Festa, caiavam-se as casas, pintava-se a cozinha, a mesa, as cadeiras e os armários. Utilizava-se loiça e toalhas novas, os bordados e os naperons eram primorosamente engomados. Havia sempre qualquer coisa de novo, umas cortinas, um tapete, um candeeiro, uma mesa, um objeto diferente.

Os convites para o jantar eram disputados entre as duas casas, “jantas aqui, não, ali em baixo, este ano não jantamos, vamos mais cedo”, era sempre difícil acertar com o sítio certo onde íamos jantar. Não queríamos ferir susceptibilidades mas quase sempre comíamos na casa do meio. Tinha mais gente, mais primas, mais mulheres e era maior.

Jantávamos sempre muito bem, era a canja, a carne assada feita pelo Tio, a galinha a carne de vinha de alhos, o pão, o vinho e uma panóplia de sobremesas. As primas, aqui davam asas á imaginação e á criatividade, faziam sempre umas coisas diferentes. Recordo um bolo de caramelo recheado com nozes, pudim de maracujá, de ananás, outro de frutas muito picadinhas, e bolo de bolacha com creme de café. Gostava também do café de saco e já açucarado que se tomava a seguir ao jantar.

Depois do jantar ou antes no dia de Natal á noite, chegava o meu primo de Lisboa, passava a época até o final de ano. A sua presença aquecia o espaço, o sorriso dele enchia a alma, trazia bolachas ou caramelos para as tias. Às vezes a Tia do Curaçau também lá estava para passar o Natal em Santa Cruz. Hoje, a única filha dela fala em um dia vir cá passar o Natal. Ando sempre a insistir para que o faça o mais rapidamente possível, enquanto as casas existem, enquanto temos a família, enquanto os laços ainda são estreitos.

As primas ainda colocavam na mesa uns aperitivos deliciosos, umas azeitonas previamente preparadas com o alho, orégãos e pimentos, amêndoas torradas e salgadas, broas e outras iguarias. Não esqueço os licores, o meu preferido, o de tangerina, mas também havia um de caramelo muito bom.

Ainda íamos à casa de baixo, à última, nessa a minha mãe levava sempre uns presentes diferentes, era uma camisa para o primo, um pijama para a prima, umas meias ao tio. Eu sempre percebi porque ela os mimava de uma forma diferente, tinham perdido a mãe, e aquilo era uma atenção especial.

Eramos sempre muitos, a família quando se reunia, não parava de comer, de falar, de falar sempre muito alto e o regresso era sempre muito tardio.

O meu pai jogava á bisca com os tios e os primos e no final era sempre um baralho de cartas rasgado, aquilo era à séria. Eu nunca participei nos jogos, sempre tive mau perder, preferia ficar na conversa com as primas ou a ouvir o meu tio a contar anedotas. Todos riam com vontade, ele tinha muito jeito e sabia sempre uma nova. O tio ainda é vivo, já passou dos 90 anos, solteiro, um homem muito alto, que esteve emigrado na Rodésia, passou também pela Africa do Sul. Um homem com vivências interessantes, único homem entre cinco mulheres. Foi dos primeiros do sítio a ter carro e por isso era assediado a fazer de táxi e a levar pessoas de um lado para outro. Era muito cúmplice com a minha mãe, e muitas vezes quando vinha á cidade passava sempre pela minha casa. Nessas visitas, onde se sentava na mesa da cozinha a tomar um café, conversava e deixava a minha mãe satisfeita. Lembro-me de ele dizer “o que fazes mulher, que não comes”, “teu marido poe-te à fome”, a minha mãe sempre foi muito magra, sempre foi uma mulher de pouco apetite e não comia muito.

À noite ainda aparecia por lá um grupo de cantares da época, vizinhos que vinham com o rajão, a braguinha o acordeão e a gaita, tocar e cantar, desafiavam a minha mãe para cantar o fado, mas com o meu pai lá presente era coisa que não chegava a acontecer.

Neste dia via a minha mãe feliz, alias sempre que a minha mãe estava em santa Cruz, reunida com as irmãs, as sobrinhas e no fundo com toda a família dela, a minha mãe era feliz. Era ali o espaço dela, que foi teimosamente roubado pelo meu pai quando se casou e vieram viver para o Funchal.

Após a morte do meu tio, já lá vão pelo menos dois anos que deixamos de cumprir este ritual, por uma maneira ou por outra deixamos de lá aparecer. Lamento muito perderem-se estes hábitos, mas à medida que uns vão nos deixando, outros vão chegando, tudo se vai alterando, e quando damos conta quase acabamos por perder as nossas raízes. A Família vai ficando mais circunscrita à casa, aos filhos, aos netos, aos sobrinhos netos, e os outros ramos vão se apagando à mercê do tempo.

30.12.14

Tavira


Tavira.

Desde que conheço o Antonio que o oiço falar nas férias passadas em Tavira e a conversa terminava com “temos de lá ir um dia”.

Com a vinda do Armas para a Madeira, não se pode mais adiar o inadiável e fizemos a tal viagem há muito aguardada no subconsciente do rapaz, num Agosto quente de 2009.

Mais prático não poderia ter sido, desembarcamos em Portimão e no nosso carro comodamente fomos até a Ria Formosa. O hotel escolhido foi o Vila Galé Albacora.

É um espaço recuperado de um antigo arraial de pesca de atum, as antigas casas de pescadores foram convertidas em quartos com vista para a Ria. Preservou-se a capela e a antiga escola para os filhos dos habitantes do arraial. O hotel assume umas características arquitetónicas e culturais muito peculiares e está inserido no Parque Natural da Ria Formosa.

Tem um museu dedicado à pesca do atum e tem um pequeno cais onde se pode apanhar o barco para as praias na Ilha de Tavira. A ilha é uma língua de areia que vai de Tavira a Armona e só é acessível de barco, que se apanha em Quatro Águas.

Aquela parte do Algarve é diferente, menos povoado, menos cosmopolita, mais longínquo de uma civilização altamente consumista.

A cidade é antiga, tem um castelo, construído pelos Mouros e conquistado pelos cristãos, tem um mercado antigo, transformado em centro comercial, mas sem perder as suas características, tudo reconvertido com muito bom senso. Tem um jardim público, com bancos vermelhos, com um coreto de ferro e calçada portuguesa no chão. Ainda tem uma ponte medieval com sete arcos.

É claro que o meu marido mostrou a casa que ficava quando eram pequeno, junto a uma passagem de comboio, cada vez que passávamos por lá invariavelmente debitava “aqui passei férias em criança com os pais e os irmãos”.

Os miúdos adoraram a experiencia e gostaram de variar de praia, um dia para a Ilha de Tavira, outro para Manta Rota, outro para a Fuzeta, outro ainda para o Barril, Santa Luzia, Cacela Velha, Cabanas e Conceição.

Este rebuliço e os pequenos-almoços no Hotel, com panquecas, bacon e ovos mexidos, fizeram as delícias dos rapazes. Ainda completamos o périplo com uma deslocação à Isla Magica e a Sevilha.

Lembra-me que fazia tanto calor e Sevilha é uma cidade de interior, quente que sei lá, o asfalto fervia na sola dos ténis e das havaianas.

Os pequenos e o pai divertiram-se imenso com aquelas atrações e escolhendo preferencialmente tudo o que pudesse ter água ou respingos da mesma, na expectativa de os refrescar.

Aproveitamos a estadia em Tavira para fazermos um roteiro gastronómico, muito peixe, bivalves e marisco. Percorremos vários restaurantes, o Capelo, o Pedro, o Pátio, Cacela Velha etc.

Andamos por algumas aldeias, com poucos habitantes, subimos ao Baixo Alentejo, fomos às feiras, festas e romarias. Numa dessas festas, curiosamente em Santa Luzia, vim a encontrar uma amiga minha daqui da Madeira.

Foram umas férias calmas e sossegadas para mim, mas para o Antonio foram umas férias de regressos, de memórias, de vivências outrora experimentadas pela infância e adolescência dele.

13.05.15


Jasmineiro


Jasmineiro.

Esperava um ano inteiro para receber a prenda que ela mandava pelo meu pai. No dia 04 nunca houve um esquecimento, um atraso, uma falta ou um descuido. Foram sempre até hoje as saias e os vestidos mais bonitos que recebi. De veludo ou de bombazine muito fino, com motivos florais, raminhos verdes, com aplicações no peito, de patinhos, outros animais e até de um lago. É certo que depois tinha de fazer um telefonema a agradecer e responder àquelas perguntas “sim, tenho sido uma boa menina, sempre bem comportada, estudo e ajudo a mamã e não ralho com os manos e rezo à nossa senhora para me proteger….”.

Mais crescida, quando já sabia ler, passei a receber as Historias da Anita, e ao entrar na adolescência, o primeiro livro foi as “Mulherzinhas” da Loiuse May Alcott, Quero ser Feliz, e outras publicações das Irmãs Paulistas.

Ela viajava com alguma frequência e dos locais que visitava enviava sempre um postalinho, de Fátima, do Castelo de Tomar, de Guimarães, ou do Mosteiro da Batalha. Tinha a particularidade de contar um bocadinho da historia do local, assim, desde cedo também fui viajando, quer pelos livros, quer pelos postais.

Ela era uma senhora muito educada, culta, devota de Maria, gostava do mês de Maio, alias o filho, único filho fazia anos nesse mês, gostava muito de flores, em especial de rosas.

Faziam um casal simpático ela grande, ligeiramente anafadinha, muito sardenta, com uma cara bonita, fresca e com a pele muito branca. Ele baixinho, careca, com uns óculos pretos com um fundo de garrafa muito grande, sempre muito bem-disposto. Sentia-se que entre eles havia amor e muito respeito.

Em Maio era o mês da grande festa, o filho fazia anos, e todos os anos celebrava-se o aniversário com pompa e circunstância.

Tinha fotógrafo particular, passadeira vermelha, criados a servir com blazer branco e laço preto e na cozinha as empregadas preparavam tudo com o maior rigor.

Lembro-me muito bem da casa, uma entrada particular na Rua do Jasmineiro, no quintal à frente vários canteiros de rosas de todas as cores e feitios, à entrada um grande corredor terminava com a escada ao fundo para o segundo andar. À direita ficava a sala e sala de jantar, à esquerda 2 ou 3 quartos que a senhora habitualmente alugava a pessoas de muito respeito (professores ou inspectores das finanças), a seguir a cozinha e de seguida havia um grande salão onde eram feitas as festas de anos. Esse salão era transformado em discoteca e era aí que pela tarde e noite fora se divertiam os convidados.

Logo à entrada e depois de tirada a fotografia à família, passávamos à sala e íamos ver a mesa do bolo, o tema da festa, a decoração, às vezes o filho tocava piano para os convidados (julgo que quando era mais pequeno). Apareciam logo os criados com cup de fruta em tacinhas de vidro com pé alto e elegante, eu gostava daquele sabor das frutas com o sumo e o gás da água, acepipes, canapés vários, vitelinhos, empadinhas, rissóis e umas queijadas deliciosas que eram a receita especial da senhora.

Nestas saletas e no jardim, ficavam as pessoas mais velhas, os amigos do casal, família e outros conhecidos.

Lá ao fundo no salão decorria a dança, a festa com os mais jovens, onde eu “bicho do buraco”, morria de vergonha só em pensar entrar, rondava a casa do lado esquerdo do jardim e ponha-me à porta a espreitar, quando dava muito nas vistas, voltava para trás e entrava pela cozinha e ficava sentadinha num banco novamente a espreitar.

O que eu gostava mesmo era de ir pular e dançar como os outros, mas a timidez amputava-me as pernas e ali ficava com carinha de anjo ouvindo, e apenas ouvindo a música, as gargalhadas, as palmas, a folia e o divertimento que todos extravasavam sem preconceitos nenhuns.

Afinal eram todos jovens, todos da minha geração, todos novos, iguais a mim, entusiastas da vida e dos prazeres que dela retiramos.

Às vezes, e mesmo no meio de tanto trabalho e atenção que tinha de dar aos convidados, aparecia a minha madrinha, agarrava-me na mão e levava-me até ao centro do salão e dizia “então deixaram a Luisinha ali sozinha”, então, eu sentia o chão a fugir cada vez mais dos meus pés, a cara a fumegar, e pedia a todos os santinhos que me tirassem dali. Não sei quantas vezes na vida morri de vergonha, mas nestas festas, todos os anos morria de vergonha.

Hoje, agora, acho que já não morreria de vergonha, ou pelo menos deste tipo de vergonha. A vida foi-me trazendo um pouco mais de sal e os meus dias foram tendo mais cor e um sabor de rebeldia que pouco agradou ao meu pai.

 20.05.15


Observando


Observando
Andava eu a estudar e muito me distraia com o prédio da frente. O estudo não era assim tão concentrado e a motivação era mediana, a máxima era “não perder nenhum ano”, a partir daí ter um 10 ou um 18, naquela altura tanto me fazia. Passava algum tempo na janela e na varanda olhando a vida que supostamente as pessoas levavam nos prédios da frente. Deve haver alguma explicação do foro Freudiano para estes comportamentos.
Também quando vinha no autocarro, ia olhando para cada pessoa e imaginava como era, o que fazia, onde vivia, ou quando vinha sentada e olhava pela janela e via uma fila de carros imaginava ser o pai o condutor, a mãe na condição de passageira do lado, no banco traseiro, duas criancinhas e uma senhora mais velha que devia por certo ser a avó, ou uma tia solteira.
Há dias dei por mim a observar os clientes do supermercado, então vamos a isto. Um homem com ar de sedutor, às 19:30 junto á caixa do supermercado pousa o ser carrinho de mão e sai - uma garrafa de vinho tinto, uma embalagem congelada de lasanha, queijo, fiambre, tostas integrais, iogurtes e laranjas. Bem, pensei para comigo própria, aqui está um solteirão ou divorciado, que vem quase todos os dias às compras.
Raramente encontro famílias completas, pai, mãe e filhos, com a vida agitada que temos mais facilmente vai o progenitor ou a progenitora, alguém fica segurando a ponta do outro lado, seja com o trabalho, com os filhos, com a avó, com uma ida ao ginásio, ou com outra tarefa qualquer. Eu própria não sei há quanto tempo não vou ao supermercado acompanhada. Por regra vou sempre sozinha.
Gosto de ir ao cinema sozinha, ver aqueles melodramas, que me deixam com a lagrima ao canto do olho, escolho um sábado ou um domingo à tarde, porque se for num dia de semana à noite encontro sempre alguém que fica o olhar para mim e lá dentro deve questionar “o que faz esta sozinha à noite no cinema”.
Não gosto nada de conduzir, mas se me encontrarem a conduzir de vidros fechados é porque vou de certeza com a música em decibéis pouco apropriados. Sabe tão bem ouvir música alta. Música alta é para se ouvir só, quando se tem companhia já não é a mesma coisa.
Gosto dos meus momentos, de estar só, mas não gosto de estar ou pensar que um dia poderei estar só. Estar só por gosto, não por condição, faz toda a diferença. Uma boa companhia faz bem à alma. O homem é um animal de hábitos, sociável, de comportamentos moldáveis.
Pode ser preconceito meu, com certeza, mas sair à noite sozinha não sou capaz, fico com a sensação que tenho as pessoas a olharem para mim, “aí coitadinha, está só a rapariga”.
Não me choca ir às compras sozinha, ir à praia, almoçar uma vez ou outra, depende do espaço escolhido.
Viajar sozinha, não obrigada, é triste e como já não vou para nova na idade, a minha condição, não me permite imaginar que noutro canto do mundo, seja lá onde for, vou encontrar uma companhia mágica, uma alma caridosa que me dispense dois dedos de conversa, por isso viajar só, é impensável.
Existem coisas que ficam bem e completas a dois, há outras porém que dispensam uma multidão e outras ainda que se bastam a si próprias.
Há alturas em que nada precisa de ser dito, o silêncio impera, qualquer palavra que seja soletrada, provoca o maior vazio possível.
Há alturas em que um simples olhar é mais reconfortante que mil palavras. E quanto um simples olhar pode ser perturbador. O olhar pode ser penetrante, perfurador, o olhar cala qualquer palavra, qualquer ordem, qualquer pensamento.
Admiro as pessoas calmas, serenas, que contêm as palavras, falam o indispensável, parece que medem e não dizem uma silaba a mais. Tenho a feliz ideia que elas estão de bem com a sua consciência, transmitem uma tranquilidade aos outros que me fascina de uma forma transcendente.
A agitação e o desassossego interior, fruto dos tempos conturbados que vivemos, transporta-nos para situações de intranquilidade e inquietação constante.
Hoje, vivo cada vez mais o momento, na hora certa, o dia-a-dia, o aqui e agora.
Escolho, sempre que me é permitido, a minha companhia, estar com quem eu quero, retirar o prazer de partilhar os instantes e as circunstâncias que me fazem sentir feliz.
20.02.15

Gosto de ...



Gosto de jantar numa interessante companhia e de um bom copo de vinho. Gosto de sair, viajar, chegar a uma cidade desconhecida e andar e procurar e encontrar e falar e conviver com pessoas que ainda não as tinha conhecido. Gosto do desconhecido. Gosto de descobrir, de descobrir por mim própria. Não me digam repetidamente o tenho de fazer, deixem-me no meu livre arbítrio.
Gosto de ler e de escrever, de ir ao cinema, de ver filmes que me rasguem a alma, que me provocam aquela estupida “dor de burro”, gosto de música, de ouvir música alta, de assistir a um concerto e de pular e de saltar e de cantar (mesmo que seja desafinado).
Gosto de serra, da quietude da natureza, gosto do mar, da bravura do mar e dos passeios na areia, na areia morna, de escrever nomes na areia, de mexer com as mãos e chapinhar entre a areia molhada e a água, gosto de me sentar sem toalha na areia e sentir a areia quente no corpo.
Gosto do sol, do início da primavera, do verão, dos últimos dias do verão, daqueles fins de tarde em que o sol se poe, e deixa no ar uma brisa ainda tépida, gosto sempre dos finais do dia. Gosto de pensar no que fiz, o que não fiz, o que ainda tentarei fazer no dia seguinte.
Gosto de andar de bicicleta, de sentir os cabelos ao vento e a sopro trespassar a tshirt e passar pelas costas.
Gosto de acessórios e de adereços vários, malas, sapatos, brincos, fios, lenços, echarpes, e cintos.
Gosto de gostar simplesmente de qualquer coisa, há gente que não gosta de nada, gente que põe defeito em tudo, gente a quem nada satisfaz, gente infeliz, por certo.
Gosto da comida portuguesa e da italiana, gosto de pratos tradicionais, cozido á portuguesa, bacalhau assado na brasa, sardinhas, carapaus, bife com ovo a cavalo, aprendi a gostar de sushi e já vou comendo muito bem.
Gosto de ter uma família grande, muitos irmãos, sobrinhos (as), gosto dos almoços em casa da minha mãe, dos fins de semana em que acordo tarde e preguiço na cama, lendo, dormitando, relendo, e voltando a dormir, tudo sem horários, sem compromissos, sem ter que sair de casa, sem ter de pegar no carro e de conduzir, de fazer almoço ou de cumprir uma qualquer rotina obrigatória.
Gosto de andar a pé, com phones, concentrada na música que estou a ouvir e de olhar, olhar para além do que vejo.
Gosto das cores outonais e das primaveris, gosto dos tons pasteis, do azul do céu, do azul do mar, do branco das nuvens, do verde das árvores e do castanho amarelado das folhas caídas.
Gosto de cozinhar e de receber amigos em minha casa gosto de esmerar-me e de mimar as pessoas de quem gosto.
Gosto dos meus filhos, dois, tão diferentes nas personalidades, nas atitudes, nos sentimentos, tão completos entre si.
Gosto de quem tenho ao meu lado, que me atura, neste meu mau feitio, nestes acessos de impetuosidade, agora, mais controlados do que nunca.
A “idade” tem seguido de mão dada com a tolerância e a capacidade para relevar tudo o que não é importante, tudo o que em nada irá contribuir para a nossa felicidade.
Aquilo que se foi, foi, se calhar era porque não precisava de estar connosco. Durante muito tempo questionei coisas que fui perdendo ao longo da vida, sempre com algum constrangimento, uma certa culpa, alguma dor, algum peso de consciência, há dias dei por mim a pensar, mas porque é que eu continuo neste círculo vicioso do que perdi e deixei de ter. Perdi, porque se calhar tinha de ser mesmo assim, deixei de ter, porque não deveria de fazer parte da minha vida, ou ainda porque não merecia ou simplesmente porque não era para mim.
Gosto de pessoas, gosto de ter amigos, poucos, mas bons amigos. Gosto daqueles amigos que não nos cobram nada, que nos aceitem como somos. Gosto mesmo muito, daqueles amigos de infância, da escola, do liceu, daqueles que não nos vemos todos os dias, mas que um dia quando os encontramos parece que o tempo parou, e falamos e conversamos e relembramos o que a memória nos permite fidelizar com carinho e ternura.
Gosto da vida, fora da rotina, quiçá de algum imprevisto, não muito longe de uma realidade doce, segura, certa num tempo que é meu e de quem me rodeia.
Gosto, tão naturalmente da sensação de gostar.
11.03.15

À Sexta-feira…



À sexta-feira quando não havia jantares, aniversários, e saídas com amigos, metia-me no autocarro do Caniço, em frente à Empresa de Eletricidade e fugia para casa da minha irmã.
Por lá ficava todo o fim de semana, regressava só no domingo à noite, contra a vontade da minha mãe, que nunca entendeu porque é que eu não queria ficar em casa com os pais.
Se fosse verão, o meu cunhado ia deixar-nos à praia, ao Rocamar ou ao Galo, eu levava os meus sobrinhos. Ele tinha um carro desportivo, um Peugeot 205, descapotável, azul claro, com estofos em ganga, fazia um sucesso naquela altura. Eu só obrigava os meus sobrinhos a chamarem-me de “tia”, não fosse alguém imaginar que seria a mãe das 3 crianças.
No Inverno ficava mais por casa, como a minha irmã não sabia e não gostava de cozinhar e eu depois da minha passagem por Lisboa, até fiquei com jeitinho para a cozinha, entretinham-me a inventar uns pratos.
Às vezes íamos comer fora, o meu cunhado era um bom garfo, variávamos pelos restaurantes ali da zona, a Central, a Lareira, o Boieiro, a Cervejaria Alemã, o Galo, o Rocamar, a Quinta Expendida e mais tarde o Giuseppe Verdi, as suas lasanhas e massas italianas.
Connosco também vinha uma tia do meu cunhado, viúva, era uma mulher excêntrica no vestir e na sua maneira de estar, de cabelo pintado, com batom forte, unhas com verniz cor-de-rosa, vestia-se sempre com roupas de cores muito garridas, grande, com uma voz rouca, mas pouco beneficiada pela beleza física. Fumava, acompanhava a refeição com vinho era uma figura curiosamente interessante. Gostava muito do sobrinho, mas entrava sempre em defesa da minha irmã.
A casa do Caniço era muito acolhedora, grande, assim num estilo francês com uma sacada no primeiro andar e umas águas furtadas, um grande jardim com relva na frente da casa e uma inesgotável vista mar.
Ali naquela casa, passei bons momentos, ali fui muito feliz, ali ajudei a cuidar dos meus sobrinhos, ouvi o meu cunhado, ouvi a minha irmã, ouvia todos os outros que por lá passavam, sobretudo ao domingo. Ao domingo aquela casa virava “poiso”, após o almoço a campainha não parava de tocar. Vinham todos lá bater, os homens para descansar e dormitar, as mulheres para conversar.
No final do dia era sempre preparado um lanche, chá, bolo caseiro, sandes de fiambre, queijo e presunto.
Às vezes penso se a minha presença constante incomodou a estabilidade e harmonia daquela família. A casa era um refúgio ou digamos uma espécie de retiro e de porto de abrigo para todos.
Ali naquela casa ficava a pensar na vida, a curar paixonetas platónicas, e a chorar amores impróprios.
E foi ali naquela casa que a minha irmã ofereceu um cocktail de boas vindas no dia do meu casamento e foram eles os meus padrinhos.
Não foi fácil o regresso de Lisboa, não queria ter vindo. Gostava muito daquela cidade grande, das gentes que não conhecia e por quem passava anonimamente, dos cafés da Avenida de Roma e da Baixa, dos cinemas, do comboio, das viagens que fazia ao sábado à tarde até Sintra, dos passeios e dos almoços de domingo com o meu primo, pela Praia das Maçãs, a Praia da Adraga, Almoçageme, as Azenhas do Mar, a Ericeira, Mafra e a Malveira da Serra. Nestes dias apenas sentia a falta da família.
A readaptação a casa dos meus pais não foi um processo fácil, eu tinha gostado demasiado da independência conseguida, enquanto vivi em Lisboa.
Estar em casa a receber ordens do pai, a dar conhecimento de onde venho para onde vou, com que vou e com quem ando, saturava-me. Bom mesmo era safar-me ao fim de semana para casa da minha irmã. A minha mãe ficava zangadíssima comigo, ela não compreendia porque é que eu não ficava no Funchal, em casa, com a família, para no sábado de manhã acordar cedo e fazer a lida da casa e no domingo ir à missa com os pais. Este filme aterroriza-me, eu não queria nada aquele estilo de vida.
Até habituar-me novamente a esta terra, deu-me que fazer, mas se um dia tivesse que sair para qualquer lado, ia, desde que fosse um sítio onde se visse o mar. E saudade ia sentir, sempre da família.
Hoje, tudo mudou, aquela família tal como era já não existe, à sexta-feira já não corro para apanhar o autocarro, já não tenho tantos jantares e saídas com aqueles amigos, mas enfim, tenho outras coisas que me deixam igualmente feliz.
20/03/2015

Limpezas e cheiros.



 No fim de semana passado assim meio de improviso fiz um passeio e vim ter à Rota da Cal, lá pelo Concelho de São Vicente. Confesso que foi interessante e para além dum momento cultural foi também de um aprazível convívio com os meus amigos das caminhadas.
De repente dei por mim a lembrar-me das pinturas da casa pelo Natal, caiar a cozinha, a sala e os quartos de dormir, aquela azáfama que a minha mãe não gostava e a mim também não me agradava de todo.
A nossa casa virava do avesso, cheirava a fresco, a água com sabão, a cera, a limpo e a lavado.
As cortinas eram retiradas para serem lavadas, os armários afastados da parede, para limpar as teias de aranha e o pó acumulado, os quadros saíam das paredes, os armários e as gavetas despejados e novamente forrados, a papel pardo e de plástico, os da cozinha, os outros a papel branco e papel vegetal.
Habitualmente era uma das minhas irmãs (braço direito da minha mãe) que se encarregava destas lides dentro de casa e que me obrigava a andar atrás dela como sua ajudante. Ela amarrava um lenço na cabeça para proteger o cabelo do pó e lá ia eu contrariada atrás.
Para além de se retirar toda a loiça dos armários e lavar, era preciso arrumar as gavetas dos bordados e dos paninhos de tabuleiro, limpar o armário dos aperitivos e o das bebidas. A minha mãe tinha a mania de guardar tudo e nestas arrumações fazíamos descobertas interessantes, coisas foras de prazo, estragadas e a cheirar a mofo, desde amendoins, broas, bolachas e outros biscoitos. A minha mãe tinha receio que chegasse uma visita lá a casa e não houvesse nada para oferecer.
Havia duas gavetas que eu gostava de arrumar, uma era onde a minha mãe guardava todas as cartas, postais, e contactos dos amigos espalhados pelos quatro cantos do mundo, e a outra a das fotografias. Nestas coisas eu gostava de meter o nariz, de ler e de ver.
Passada esta fase, vinha a parte da cera, a minha mãe usava aquela cera de lata, Búfalo, se não me atraiçoa a memória e com cheiro a alfazema. Dar a cera não era tarefa nossa, devia de ser do meu irmão mais velho, a casa ficava de um dia para o outro com jornais espalhados pelo chão para se manter a cera e não escorregarmos, no dia seguinte era certo alguém puxar o lustro de joelhos escada acima escada abaixo, com um pano fofo e macio.
Ainda faltava o óleo de cedro espalhado pelas portas de madeira, que tinha a sua técnica, não se podia fazer círculos, o vidro martelado da porta da sala, que era lavado com um esfregão e água ensaboada, arear o número 51 da porta de entrada, mais o puxador e a campainha com aquele líquido da lata vermelha e verde e com um coração dourado e ainda limpar as pratas com Duraglit.
Estes cheiros, esta lufa-lufa, pelas alturas do Natal, da Páscoa, ou quando recebíamos alguma visita importante em casa, como na Semana Santa, quando o Padre da freguesia por lá passava, há já muito tempo que deixei de sentir.
É certo que eu não gostava destas tarefas ingratas, mas ninguém acredita o quanto me sabia, quando regressava de Lisboa naqueles dias antes do Natal, abrir a porta de casa ver o chão a brilhar, sentir o cheiro da cera de alfazema, olhar os vasos de flores, os naperons por cima das mesas e dos moveis, o cheiro a lavado da roupa de cama, do sabão clarim, os lençóis imaculadamente brancos e engomados sem a mais pequena prega, beber o café com leite de manhã ao acordar e à noite comer a canjinha que a minha mãe fazia.
Eu sei que não se vive de memórias nem de coisas passadas há sempre quem diga que “o passado não interessa o presente é o que importa”, mas também sei que para se contar uma história, para se perceber o presente, é necessário irmos ao passado, abrir armários e gavetas e desencaixotar peça por peça.
27/03/2015

Descendo e subindo a rua.


Desci e subi a rua a pé durante uma série de anos. A rua ficava entre a Rua da Torrinha (rua que tinha casas grandes e algumas quintas) e a Rua do Til, (rua muito grande e com bastante movimento de viaturas). Eu vivia na rua da Carne Azeda, feia, estreita, escura, velha, mal cheirosa e pouco iluminada. Era uma rua de casas velhas, antigas, hoje mantem-se quase todas, algumas remodeladas, outras deram origem a prédios de apartamentos.

As casas eram de gente de trabalho, pessoas humildes, muitas de aluguer. Casas bonitas e grandes nem chegavam a uma mão cheia, pertencentes a famílias com algum poder económico. Logo no início havia uma que atravessava toda a rua até o Torreão, outra com um grande terreno mesmo junto ao Engenho do Winton, a seguir a casa dos meus amigos de  infância onde brincava todos os dias, tão grande que chegava à rua do Til, acima mais umas duas com raiz do chão, primeiro andar e quintal à volta.

A rua não me enchia de orgulho, muito pelo contrário tinha um certo receio de a subir e descer sozinha, sobretudo naqueles dias pequenos e escuros de inverno. Passavam poucas pessoas, muitos velhos, pedintes, e uns homens esquisitos e estranhos que às vezes se escondiam por detrás dos carros. A iluminação pública até há poucos anos era com postes de madeira e candeeiros que iluminavam muito pouco. Tudo isto não me trazia confiança nenhuma, mas subir o lado oposto, o da Rua do Til, o trajeto era mais longo.

Em baixo mesmo no início da minha rua, existia uma fábrica, mais tarde oficina, era um prédio muito grande, alto e de nada valia à estética, ao lado o ribeiro, que acompanhava o engenho do Winton. Era interessante ver a labuta dos homens com os carros apinhados de cana-de-açúcar e o fumo a sair das chaminés. Eu não me lembro, mas as minhas irmãs recordam-se do incendio no engenho e dizem que o quintal da nossa casa ficou cheio de cinzas e o nosso pai mandou-nos sair para casa de um vizinho mais acima, talvez para ficarmos mais protegidas.

Naquela rua vivia um senhor que tinha um carro grande antigo, tipo táxi, circulava na cidade para transportar turistas, vivia numa casa, igual a mais 4 ou 5, pareciam casas de bairro. A esposa dele e uma cunhada (irmã da mulher) passavam o tempo à janela e quando eu vinha da escola, falavam sempre comigo, perguntavam como estava a mamã e o papá, como iam os estudos, aquela conversa de circunstância.

Havia também um senhor José, de nome, que era carpinteiro, tinha uma loja, onde fazia os seus biscates, mais para cima havia uma mercearia, hoje transformada em bar/tasca. Em criança muitas vezes cheguei a ir á mercearia, comprar coisas de ultima hora, sal, açúcar, farinha, ovos, massa ou arroz.

Sempre foi uma rua com alguma dificuldade para estacionar os carros, hoje a rua tem um sentido só, descendente.

Naquela rua e nas artérias circundantes, Rua do Til e D. João, tínhamos os nossos vizinhos amigos, viviam todos por ali. Eu não tinha muitos, mas o meu irmão tinha um grupo do pior. Fartavam-se de bater à campainha assediando-o para brincadeiras que os comprometiam. Cada um pior que o outro, hoje, ainda considerados “peças de museu inconfundíveis”, irrequietos, rebeldes adolescentes, tiranos e inconsequentes, por vezes nas atitudes que tomavam. Eu não tinha medo deles, enfrentava-os todos, quando batiam á porta, dizia logo que o meu irmão estava a dormir, mas eles faziam-se entender por códigos, assobios, toques e buzinas de motas, etc. Eu dizia que os amigos do meu irmão eram desaconselháveis e que só o levavam para maus caminhos ou melhor, desencaminhavam-no.

Havia também um rapaz que que não largava a campainha da nossa porta, para fazer queixa ao meu pai do meu irmão e dos amigos dele. A bem dizer o rapaz tinha um índice cognitivo muito abaixo do normal e uns trejeitos efeminados, obviamente era motivo de chacota para o grupo. Até o meu pai se ria da situação, claro, sem dar a entender, um dia ouvi-o dizer “o rapaz também se poe a jeito”. Suponho que a figura ainda hoje existe, caricato, vagueava pelas ruas da cidade, implicando com todas as pessoas e exibindo uma verborreia escandalosa, sem mais nem quê. Era cliente assíduo das urgências do Hospital, de todas as igrejas da cidade e dos autocarros que subiam a Rua do Til.

Na travessa do Anselmo havia uma serie de casas em banda, todas iguais, só divergiam na cor das paredes, das portas e das janelas.

Durante muitos anos à frente da minha casa, existiu uma fazenda grande e havia uma entrada do nosso quintal que dava diretamente para lá. Quando eramos pequenos íamos brincar, colher anonas e espiar o levadeiro.

Por aquela rua passaram uma série de figuras, que hoje deixaram de circular, o leiteiro, o amola tesouras e o padeiro.

Hoje a rua continua quase exactamente igual, não fosse os técnicos camarários terem asfaltado o caminho que antes era empedrado.

17-04-15

Fábrica de Manteiga


 Neste fim de semana fui surpreendida quando caminhava com o grupo Veredas e Levadas, visitando a antiga Fabrica de Manteiga situada na Fajã da Ovelha, junto à Ribeira de São João.
A minha infância foi vivida entre os sabores, paladares e cheiros de uma serie de lacticínios, a manteiga Zarco e a manteiga Primor (a manteiga com sal embalada em papel vegetal e com letras azuis e a manteiga sem sal com embalagem igual, mas com as letras a vermelho), o leite, o... queijo Pinheiro Manso, Castelões, o leite condensado, o leite evaporado, o leite em pó gordo e meio gordo e o reconstituinte Vigormalte.
O meu pai trabalhou toda uma vida para a Martins & Rebello, fábrica de lacticínios da época de 50, com sede em vale de Cambra, e que veio a abrir falência em 2001. Hoje encontra-se representada pela Indulac, mantendo a sua produção original.
Senti uma certa nostalgia ao pisar o terreno da antiga fabrica, não deixando de sentir também uma mágoa incomensurável pelo estado de degradação e abandono que a mesma apresenta. Declarada em tempos património de interesse municipal, fazendo parte do catálogo dos edifícios classificados pela DRAC, não entendo porque até agora ainda ninguém mostrou interesse, por exemplo, em recuperar o edifício para reverter em Museu de Lacticínios. Ignorância do património é sinonimo de cegueira cultural, insipiência de um povo que teima em ignorar e desvalorizar a sua história.
Ainda bem pequena, recordo uns piqueniques que fizemos com o meu pai, aqui nesta fábrica. O Sr. Correia (que era o motorista da Manteigaria Zarco e da Manteigaria União) conduzia a carrinha e levava também a família dele, a mulher, duas filhas e dois filhos, mais nós que eramos 6 crianças, enchíamos o espaço, com bolas, gargalhadas, guinchos, e muita algazarra.
Da Manteigaria Zarco e pela altura do Natal também me assalta as narinas o cheiro dos bolos de mel do Sr. Capelo, das broas de mel e das rosquilhas de manteiga da minha madrinha.
O sábado ficou completo quando cheguei ao Engenho da Calheta, repousei as perninhas numa cadeira de vimes, delicadamente colocada num alpendre e por ali fui ficando a saborear uma nini poncha acompanhada de broas de mel e de um grupo de amigos bem genuínos.
Ainda consegui esticar mais um bocadinho esta companhia prazerosa, parando ao sair da Calheta e ali desfrutar de um magnífico por do sol.
A vida é assim, tem momentos, únicos, tão singulares, despidos de quaisquer adornos.
A simplicidade está naquilo que é, que se vê, no que a natureza por si só nos apresenta e faz deleitar por breves instantes a nossa vida.
A todos os que comigo privaram na caminhada “Caminho Real Fajã da Ovelha- Calheta “ e em especial ao Nekas um bem haja e umas Felizes Páscoas.
30.03.15

  

Em três dias.


Foi uma viagem de apenas três dias mas muito bem aproveitados. Duas turistas percorrendo a cidade de Lisboa, revivendo locais outrora visitados, bebendo experiencias diferentes, centrando o olhar nas gentes, nos rostos abandonados pela cidade polvilhada de espanhóis, parece-me de repente ter voltado à dinastia dos Filipes, olé J.

Lisboa está cada vez mais uma cidade cosmopolita, muita gente a andar a pé, percursos de tuk tuK pelos bairros históricos, Castelo, Alfama e Mouraria.

Fizemos o trajeto ascendente desde os Restauradores /Baixa Pombalina/ Castelo de São Jorge. Pela primeira vez a minha experiencia de “caminheira quinzenal” valeu-me chegar rapidamente lá acima. Entramos na Igreja de Santo Antonio e na Sé de Lisboa onde decorriam as cerimónias da semana santa. Fomos espiolhando os antiquários e as lojas de velharias, passamos pelo miradouro de Santa Luzia. A minha irmã comprou uma pintura a um homem de rua, típica vista do castelo, elétrico e lampião discretamente colocado à esquerda.

No castelo, descansamos, admiramos a vista sobre a cidade e tiramos fotografias. A descida foi mais suave, mesmo pelas ruas estreitas e sinuosas viemos ter direitinhas à Praça da Figueira. Subimos a Rua do Carmo, entramos no Chiado, Largo de Camões, Trindade e Largo da Carmo. Almoçamos na rua, na Adega do Duque, ligeiro e rápido. Descemos novamente ao Chiado, mas antes visitamos a Igreja de São Roque (junto à Misericórdia de Lisboa), cumprimentamos Fernando Pessoa, demos uma olhadela pela Brasileira e entramos na Basílica dos Mártires, vi pela primeira vez uma imagem do Santo Expedito (com inúmeras placas de agradecimentos e de graças concedidas).

Para visualizar alguma novidade, passamos pela Fnac, encontramos mais um ou dois artistas de rua e descemos até ao Rossio.

Só agora me apercebi que iniciei o texto de trás para a frente, agora fica assim, este foi o nosso último dia.

Chegamos ainda era dia, quase, quase a anoitecer. O hotel prometia pouco, a minha irmã franziu a cara, estava mesmo a ver que ela se vinha embora, valeu que tinha uma localização estratégica e os quartos eram extremamente asseados.

De manha acordamos cedo, tínhamos compromissos, fomos pontuais, fomos prontamente atendidas e pelas 12 horas estávamos despachadas. Ela não quis almoçar no Darwin depois da conversa apetecia-lhe um bom bife, por isso fomos à Portugália no Espelho de Agua (Belém). Ela comeu tudo o que tinha direito, camarão, casquinha, polvo, ainda pediu um bife com ovo a cavalo e terminou com um leite-creme. Esperava-nos uma fila bem dimensionada e um sol escaldante à entrada do Mosteiro dos Jerónimos, acabadinho de ser limpo. A vontade de caminhar foi esmorecendo, ainda viemos até o Palácio de Belém, mas resolvemos regressar ao hotel e descansar um pouco.

À noite fomos jantar com a Teresa à Tasca do Urso, ela tinha ficado em Lisboa propositadamente para estar connosco, no dia seguinte ia para o Alentejo.

Subimos ao Bairro Alto no elevador da Glória, passamos pelo miradouro de São Pedro de Alcântara e fomos para o Príncipe Real, aí, até chegar ao restaurante e mesmo de mapa na mão, perdi-me uma serie de vezes pelas ruas do bairro, que são um autêntico labirinto.

Recebidas carinhosamente pelo dono do restaurante e amigo da Teresa, jantamos no jardim, comemos bochecha de porco com batatinhas fritas e alheira com queijo de cabra e geleia de tomate, um jarro de vinho e Rémy Martin para rematar, a minha irmã só jantou uma sopa, mas comeu farófias como sobremesa. O ambiente era acolhedor, tinha aquecimento, mantas para aquecer as pernas e uma boa conversa, fomos ficando até sentir que o cansaço já andava a tomar conta de nós.

No dia seguinte já tínhamos combinado ir a Fátima, o Expresso levou-nos a uma viagem confortável, almoçamos no restaurante habitual, visitamos calmamente o santuário e até assistimos a uma missa. Desta vez resolvi deixar uma vela grande por intenção de todos os que precisam, os meus, família, e algumas pessoas mais próximas. Temos de ser práticos e o que conta é a intenção.

De regresso a Lisboa à noite fomos ao Coliseu ouvir a Joan Baez, ativista politica, fez parte de vários movimentos a favor dos direitos humanos, cantora folk norte americana, marcou os anos 60 e apareceu em palco igual a si própria, de guitarra ao ombro, botas, calças de ganga, camisa branca e uma echarpe rosa. O seu público fiel troteou Diamonds & Rust, Forever Young, Gracias à la Vida. Foi um concerto muito light, vibrei apenas quando ela cantou o Grândola Vila Morena e as pessoas juntaram os pés a imitar os soldados a marchar. A plateia marcadamente na faixa etária 60/70 anos, um leve cheirinho a naftalina, muitos cabelos grisalhos, uma geração de protesto, agora bem mais serena.

Na 5ª feira regressamos ao Funchal para em família terminarmos a semana santa, tradição religiosa portuguesa que celebra a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo.

07.04.15


Belgais





Foi um convite para passar um fim de semana em Castelo Branco em Maio de 2004.

Visitamos o concelho, fomos à aldeia histórica na Serra da Gardunha - Castelo Novo, aldeia de casas senhoriais, casas em pedra, com varandas em madeira e restos de calçada romana. No alto ergue-se o castelo.

O fim de semana incluía um evento cultural no sábado ao final do dia, assistir a um concerto de Maria João Pires em Belgais.

Para chegar à herdade, percorremos um longo caminho de terra batida, com percursos de altos e baixos, entre oliveiras e eucaliptos.

A quinta é um oásis no deserto, tudo muito plano, uma casa térrea, com sala de concertos, estúdio de gravação, biblioteca e piscina. Com um estilo rustico, artesanal e acolhedor.

A Maria João desenvolveu um projecto de ensino artístico para jovens, músicos e artistas, que de início teve um excelente impacto, mais não fosse pela descentralização da cultura numa cidade do interior, mas mais tarde acabou por correr mal e em 2009 foi posto à venda.

Houve discórdias, e desentendimentos entre ministérios e apoios concedidos, houve arresto de bens e tudo terminou de uma forma abrupta quando a pianista saiu do pais e foi para o Brasil (em 2006). Por lá ficou a viver e pediu nacionalidade.

Impressionante como nós, portugueses, temos o condão de deixar escapar grandes artistas, pessoas de valor considerável, empobrecendo cada vez mais a nossa cultura. É caso para dizer “felizes dos que os recebem”.

O centro organizava concertos, palestras musicais, tinha oficinas para crianças e ainda um coro infantil. Enquanto sobreviveu dinamizou muito a zona de Castelo Branco.

Nós chegamos num fim de tarde, calmo, de temperatura amena, para assistir a um concerto à beira de uma piscina, decorada num ambiente de velas, flores, um por do sol avermelhado contrastando com o marron da terra, assim algo bem-parecido a um estilo marroquino.

Foi calmo e intenso, cheio e sereno, viemos mais tarde a jantar mum restaurante da zona, aprazível e sossegado, completando assim um fim de semana cultural a cortar a rotina de um ilhéu.

05.05.15

Cuba.


Decorria o ano de 1999 e fui de viagem a Cuba. Ali a vida parou no tempo. À custa de um embargo económico nos anos 60, imposto pelos Estados Unidos da América, a economia paralisou, a agricultura e a industrialização estagnou. Hoje o país vive do turismo e da exportação de açúcar e de tabaco.
A Espanha e o Canadá foram dos poucos países que tiveram uma grande intervenção na ilha. A Espanha, sobretudo na instalação e administração de grandes unidades hoteleiras.
A população é muito carenciada, com ausência de liberdade de expressão, os guias turísticos, debitam a informação como se de uma cassete previamente gravada se tratasse, ninguém diz nada para além do que é politicamente correto. Só para termos uma ideia os habitantes não podem frequentar os hotéis, nem determinado tipo de espaços, por isso mal saímos à rua somos logo assediados pelos mais variados motivos.
Primeiro estive na cidade de Havana e depois fui para Varadero. No trajecto entre o aeroporto e a cidade, os cartazes espalhados na berma da estrada com expressões como “Che, viva la pátria”, “sigo luchando”, “sin ron no hay revolucion” “yo créo”, “estoy luchando”, “Fidel es mi hermano”, “Hasta la victória, Siempre!”, traduziam a pobreza e a repressão instalada na ilha.
Em Havana fiquei no Hotel Mélia Cohiba. Anexo ao hotel existe um bar dançante “Habana Café”, cujo cenário parece ter saído do filme Pulp Fiction, com um décor da lanchonete onde John Travolta dançava, carros expostos e uma avioneta a hélice suspensa no tecto.
No segundo dia, fomos convidados para uma recepção na casa do embaixador de Portugal em Cuba, um espaço fabuloso, que me deixou completamente deleitada. Os anfitriões abriram a casa, com um jardim estonteantemente belo, muito tropical e um embaixador que esbanjava charme. Lembro-me de que foi um jantar volante, entre o jardim e a residência principal, a casa requintadamente decorada com peças de mobiliário colonial, molduras do anfitrião com o Papa de então, com o Presidente da República Portuguesa (Dr. Jorge Sampaio), peças da companhia das índias, pratas e outros objetos, daqueles que raramente cansam a vista.
Cuba, património da humanidade, país de contrastes, ilha dos excessos, de gente feliz de rostos alegres, que espalham sorrisos a um qualquer desconhecido.
Cuba, pátria da revolução, do “Che”, do Fidel, hoje do Raul Castro, do rum, dos mojitos, dos daiquiris, do chá-chá-chá, da rumba, da salsa, e dos charutos.
Havana, cidade de Hemingway, dos grandes edifícios coloniais, de arcadas e colunas outrora destruídas e desgastadas pela usura do tempo e ausência de restauro.
Assisti ao Dia da Rebeldia Nacional, coincidiu com a minha estadia, dia 26 de Julho (comemoração do assalto ao Quartel de Moncada), fizeram um grande comício onde o Fidel de Castro discursou para além das 8 horas seguidas.
Percorri a cidade velha a pé, vaguei suavemente pela avenida marginal de Malécon, observando o mar, o mesmo mar, que levou vidas, gente que tentou escapulir-se para os Estados Unidos, México e Bahamas em barcos rudimentares em busca da liberdade e de melhores condições de vida. Fixei o olhar atento pelos cabarets, grandes hotéis, e não deixei de apreciar o parque automóvel, aquelas velhas máquinas americanas, Chevrolets, Cadillacs, Dodge e Buicks, brilhantes e cromadas.
A cidade é bastante segura, só não o é à porta dos hotéis e night clubs, a concorrência é desleal, não fosse o perfume barato que as jineteras usam para deleitarem os turistas, o contacto com as gentes é inebriante, as pessoas são alegres, dança-se a salsa em plena rua, ouve-se música em cada esquina, vende-se rum e charutos.
À época em que visitei a ilha a prostituição era grande, a corrupção ainda maior, era uma verdadeira ilha dos prazeres para qualquer pessoa que lá chegasse com dólares no bolso.
Entrei na Catedral pelas traseiras e circulei no mercado de rua comprei artesanato, livros, telas, camisolas, com recordações memoráveis, tipo “I love che”, “yo soy cubano”.
Reparei na quantidade de fardamentos antigos e boinas à venda, discos, livros de poemas e pequenas armas de fogo.
Percorri a Plaza de Armas, Havana Viéja, visitei o Museu da Revolução, o Capitólio, as fábricas de rum e de charutos.
Entrei no emblemático Hotel Nacional, estive na “Bodeguita del Médio” e bebi um dayquiri.
Ao chegar a Varadero o ambiente é outro, sol, praia, piscina, cocktails, mergulho, um verdadeiro relax. Fizemos um passeio de barco e pesca submarina.
A melhor forma à excepção das unidades hoteleiras para comer em Cuba, é aceitar o convite para jantar em casa dos particulares. Somos interpelados em pleno mar por um qualquer habitante local. A principio fiquei receosa, mas depois e perante a insistência de alguns colegas do grupo acabei, por aceitar, e que bom que foi. Ementa, lagosta grelhada, arroz branco e salada. Um manjar dos deuses. É uma excelente oportunidade para conhecer o ponto de vista das pessoas, as suas queixas, os seus orgulhos e as suas frustrações.
A relação dos cubanos com o basebol, é como a dos brasileiros com o futebol, eles até têm uma expressão muito interessante que diz o seguinte “sou cubano, sou feliz, jogo basebol, tenho a pátria no meu coração e os heróis na memória”.
Gostaria ainda de lá voltar, talvez para conhecer as cidades de Trinidad e Santiago, contudo regressar a Cuba, por questões muito pessoais está fora de questão.
06.03.15

Aniversários e flores.


Não tenho ideia de a minha mãe comemorar os nossos aniversários, mas as minhas irmãs mais velhas contradizem-me e afirmam que a mãe até enfeitava nesse dia uma cadeira com flores, e esse era o nosso lugar para se sentar á mesa, sinceramente não me lembro.

Lembro-me apenas de já bem crescidinha ter tido uma festa de anos em casa, a minha mãe deixou convidar umas primas e umas vizinhas amigas que por lá residiam na altura.

Na minha família nunca houve o hábito de quando alguém fazia anos, ir a casa a seguir ao jantar tomar café e comer uma fatia de bolo, nem tão pouco é comum fazerem-se festas de anos.

Mesmo atualmente só os aniversários da minha mãe e do meu pai é que são comemorados, passamos todos lá por casa, cantamos os parabéns e apagam-se as velas.

Engraçado, que eu conheço famílias em que os membros no dia-a-dia se mantem distantes uns dos outros, mas invariavelmente no dia do aniversário, frequentam a casa para presentear o aniversariante, são hábitos.

Se calhar é por isso que eu quando faço anos passo o dia a dizer “hoje faço anos, hoje faço anos”, e adoro que me deem os parabéns, no entanto não gosto particularmente de festas de anos. Devo ter uma necessidade interior de me afirmar, isto vem de trás, são as minhas reminiscências a falar, por certo.

A minha mãe não era de festas, nem de muitos movimentos, não gostava de ter gente em casa. O espaço dela era muito protegido, não falava muito, não tinha muitas amigas, de vez em quando falava um pouco ao telefone com uma ou com outra, demorava-se muito ao telefone se estava a falar com as irmãs para Santa Cruz, apenas isso.

Não gostava do Carnaval, também não nos vestia para irmos ao cortejo, embora gostasse de ir ver a festa da flor e passar pelo ateneu, nunca torcia o braço por o meu pai ter as flores dele expostas e até ganhar vários prémios. Na minha casa havia uma “luta e uma separação de poderes” à conta das flores. Era assim: existiam as flores do meu pai, elegantes, raras e sumptuosas, que eram as catelayas, os antúrios, os sapatinhos e as orquídeas, depois existiam as que nem o nome a gente sabia, umas tantas arbóreas, fetos, avencas, novelos, crotons, rabinhos de porco, rosas, etc, essas eram as flores miseráveis da minha mãe, que ela dizia que o meu pai se esquecia de as regar quando estava a tratar do jardim.

Depois ainda havia a terra especial que ele gastava nos vasos todos dele e para os dela ficavam os restos de outras terras, sem fertilizantes, sem produtos naturais como casca de ovo e borras de café.

E ainda havia a proteção contra o sol que estragava as plantas, queimava as folhas, ele de vez em quando ia mudando os vasos de lugar para desespero dela quando os descobria, faziam com isso uma briga feia. Ela ficava danada e apelidava-o de egoísta por não respeitar os gostos dela.

E de vez em quando batiam à porta e invadiam o quintal, coisa que a minha mãe não suportava, homens e mulheres, pessoas conhecidas do meu pai, que vinham buscar sapatinhos, antúrios e orquídeas para vender. A minha mãe não achava piada a esta coisa de vender flores, as flores eram para colorir o jardim e ornamentar uma jarra na sala ou de quando em vez para oferecer a alguém muito especial. Ela resignava-se com este assunto, até porque as flores que se vendiam eram as do meu pai.

Durante muitos anos por causa destas flores nunca foi permitido termos qualquer canídeo em casa, era eu pequena e lembro-me de ter havido uma cadelinha de nome “Niquita”, mas assim como veio tão cedo desapareceu. Deu cabo de umas tantas plantas, esgravatou o jardim e os canteiros e depressa passou a ser uma “persona non grata”.

Hoje têm um cão, quase uma necessidade imposta, para guarda da casa, embora faça companhia ao meu pai e não sendo dos mais inteligentes sempre vai revelando uma vez por outra a sua sensibilidade.

A casa vai sobrevivendo, embora só a parte de baixo vá tendo o seu uso habitual, pois as escadas não permitem a quem por natureza e provecta idade já tem uma mobilidade reduzida.

Mantenho bem consciente que a casa existirá e manter-se-á apenas até eles estarem aqui e fazerem parte do nosso dia-a-dia. A partir do momento em que deixarem existir, deixará de haver os convívios nos fins de semana, os almoços, as conversas de jardim e o encontro entre os irmãos.

Uns vão sentir mais que outros, uns são mais nostálgicos que outros, uns têm laços mais comuns e estreitos que outros e uns reagirão de uma forma apegada tentando recordar os dias os momentos e as historias vividas naquela que foi sempre a nossa casa, a casa dos meus pais.

 
28.01.15