Ainda era Agosto
e o mês levava uma semana e uns dias mais para terminar. Chegamos à ilha num
sábado, num belo dia de sol.
Quando para ali
vou, gosto de cortar com o resto, com o que deixei, com o que ficou para trás.
As férias são para mim um virar de página, quero estar noutro registo, rompo
com as rotinas que tinha em trabalho e no meu quotidiano. Crio outras rotinas,
que serão as daqueles dias que em nada são semelhantes ao período de trabalho.
É o meu tempo de lazer, do dolce fare
niente, da troca de horários, da mudança da indumentária e do calçado, dos
cabelos ao vento, despenteados, do gloss nos lábios e nada mais…
Nesse sábado, à
noite, fomos jantar a casa de uma das minhas sobrinhas. Tudo seria perfeito,
não fosse o peixe ter pouco sal. Não me lembraria de vir a comer em Porto
Santo, salmonetes grelhados e não só, também apareceram pargos, bodiões e
charuteiro. Acompanhava uma fabulosa salada de tomate do Porto Santo (aquele
cultivado nos terrenos arenosos), salpicada de orégãos secos, outra de vários
tipos de alfaces e rúcula e umas batatas cozidas com casca e salpicadas em
azeite. Regamos com sangria de frutos vermelhos e vinho branco e terminamos com
uns suculentos quadrados de melancia.
Antes do repasto
e como é apanágio da minha sobrinha, começou a chegar à mesa entradinhas deliciosas, beberas pretas,
queijo da Ilha de São Jorge, patê e salsichas de ervas frescas grelhadas.
A noite
prolongava-se quente, aconchegante, os comensais muito heterogéneos, uns conhecidos
naquele momento, mas nem por isso inibiu o desenrolar das conversas à volta das
mesas. Outros, amigos comuns, com mais ou menos proximidade, proporcionaram um
ambiente descontraído, leve e despretensioso.
Nos dias que se
seguiram o ritmo foi sempre calmo, de manhã fiz caminhadas, à tarde praia, à
noite passeios pela vila, idas ao café e “assaltos” às lambecas. Levei dois
livros que fui lendo intervaladamente.
Lá em casa, as
tarefas distribuíram-se sem qualquer imposição, creio eu, cada uma de nós
assumiu aquilo em que está mais confortável, eu andava pelos tachos e panelas,
a minha irmã nas limpezas, de vassoura na mão, expurgava todo o grão de areia
que via pela frente.
Ela era a
primeira a acordar, fazia um café bem forte. Quando me levantava já havia pão
fresco e fruta comprada no dia. A meio da semana chegou uma outra irmã (a
matriarca da família), que automaticamente ocupou o meu lugar na cozinha.
Fiquei mais liberta para os meus devaneios de pensamento livre, leituras,
músicas e passeatas.
A casa ficou
mais cheia, o único homem ali existente, foi sendo excessivamente mimado, ora
nas ementas preferidas, ora nos cafés a frequentar, nas horas de ir à praia ou
até na escolha da mesma para passar o fim de tarde.
Com algum
esforço ainda fiz um churrasco em casa para amigos e família, contei com a
gentileza de um amigo do marido da minha sobrinha, porque efectivamente o António
ficou sempre na retaguarda, mesmo sendo no dia de folga/descanso. Se existem
coisas que tenho cada vez mais certeza é de que o meu marido nunca vai liderar
uma cozinha e organizar um churrasco. Tenho tido uma luta inglória, já lá vão
23 anos de muita persistência.
Foi um sucesso e
começou a sair muito bem a sangria de frutos vermelhos. A entremeada, as febras
e as costeletas foram chegando à mesa, acompanhavam as batatas cozidas com
casca, uma salada verde e outra de tomates do Porto Santo com lascas de cebola
e orégãos.
À noite
observávamos a lua, talvez para sentir mais energia e sintonizar forças
positivas. Numa dessas observações, discutimos a fase que decorria, eu sabia
que em forma de D a lua estava a
crescer (quarto-crescente) e que em forma de C a lua estava a diminuir (quarto minguante). A lua crescia para
Lua Cheia, mas o meu marido e a minha irmã entendiam ao contrário, ainda
ripostei vivamente, depois deixei-me ficar e passados dois dias não havia como
negar os factos, o céu apresentava uma Lua Cheia, bem iluminada, o brilho e o
luar da noite, acabaram por silenciar as vozes discordantes.
Houve uma noite
em que ficamos à conversa, as três irmãs foram recordando vivências da
infância, pormenores que uma delas se lembrava num espaço mais próximo,
entretidas gargalhamos, rimos e esboçamos sorrisos até bem tarde.
Ainda numa outra
noite e numa deslocação rotineira à vila assistimos a um Festival Internacional
de Folclore, apanhamos um grupo da Galiza, com gaita-de-fole, instrumento
popular, que eu julgava ser mais típico dos irlandeses e escoceses, mas que no
fundo também tem origens em Espanha (grupo ibérico, franco, bretão). Foi um espectáculo animado, com miúdas jovens e muito bonitas, os trajes eram
riquíssimos. Deixou-me bastante surpreendida. Afinal ainda existem coisas que
nos surpreendem, mesmo sendo numa “terra do nada”….
16-09-15