quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Era um Fiat 600 Branco,



Era um Fiat 600 Branco,
Estas noites grandes e quentes de Verão são excelentes para recordar o que já lá vai. Neste fim de semana e em casa de uns amigos falávamos das nossas saídas, dos bares e das discotecas que existiam.
Vim a lembrar-me das minhas “aventuras” com uma amiga que conduzia um Fiat 600 Branco. Pequeno, ligeirinho, arrumava-se em qualquer espaço. A coisa depois evoluiu para um Renault, um Fiesta, um Nissan Micra e por aí adiante ….
As miúdas à sexta-feira iam jantar em grupo ou sós, conforme calhava, mas o certo era passarmos invariavelmente pelo Salsa Latina.
Mal o bólide apontava na Imperatriz Dona Amélia, os nossos olhos não paravam para ver as matrículas e os carros já estacionados. “Já está”, “ainda não chegou”, “deve ter vindo de boleia”…. confesso que muitas das vezes ela perguntava-me “viste já o carro estacionado”, e eu, não fosse a rapariga inverter a marcha rumo à rua do Til, dizia convictamente “ está ali, já vi” , estaciona tu à frente, tens um lugar.
Mesmo antes de chegarmos ao Salsa, já ouvíamos a música, os Salsinhas tocavam pela noite dentro, as nossas músicas, os nossos hits, aquela que nos prendia o olhar e cortava a respiração, aquela que nos fazia borbulhinhas na barriga, que nos corava, que nos deixava os braços em pele de galinha.
Um dos músicos tinha uma relação de amizade de longa data com a minha amiga, amigos de liceu e de matinés dançantes em garagens, e a música quase que se tornava em “música pedida”, ele tocava “You are so beautiful” do Joe Cocker e lá íamos nós para junto do balcão de copo de Whisky na mão (copo fino e alto com muitas pedras de gelo), e cantarolávamos pela noite dentro.
Não precisávamos de mesa, sempre preferimos ficar de pé junto à banda ou na esplanada, encostadinhas a um parapeito de uma janela. Eu gostava muito de ouvi-los cantar Rolling In The Deep, Creedence C R (Have you ever seen the rain), Cat Stevens (Father and Son), James Taylor (you’ve got a friend), Eric Clapton, Elton Jonh e não me esqueço nunca como ele cantava e/ou imitava na perfeição a voz do Paulo de Carvalho.
Ficávamos para ali até às 2 da madrugada (hora em que o bar encerrava), não seguíamos para a discoteca, porque já nessa altura não eramos muito adeptas dos ambientes fechados.
Mas ninguém se esquece das velhinhas Vespas em cima da Ponte do Ribeiro Seco, do Barbarela e do Bar On The Rocks no final da Carvalho Araújo.
O Fiat 600 também ia para os jantares do grupo ou por vezes ficava estacionado no Largo do Colégio, que era o nosso ponto de encontro, escolhíamos restaurantes onde pudéssemos estar à vontade e fazer barulho, no Restaurante do Poiso, na Camacha, era a Televisão, o Regedor e o Café Relógio, no Caniçal íamos para o Bar Amarelo, no Porto Novo, era a Feijoada por debaixo da ponte e em Camara de Lobos, o restaurante da praia.
Quando íamos só as duas ou com mais amigas, optávamos por uma Pizzaria que existia na Avenida do Infante, que também tinha esplanada, chamava-se A Rampa e escolhíamos uma pizza de nome “Diana”, ou o Mama Mia no Restaurante Fora de Horas, no próprio Salsa Latina (que servia umas lulas divinais) ou um de grelhados na chapa que existia no terraço do Centromar e do qual não me recordo o nome.
Este Fiat ainda foi do tempo em que os portugueses recém - encartados ostentavam na traseira um dístico indicador, circular de cor amarela e com a inscrição do número “90”. Isto indicava ao condutor traseiro que conduzia um outro condutor com menos experiência. Para mim ficava mais confiante, o aviso já estava feito, convinha os carros não se colarem muito atrás e deixarem um espaço de segurança.
Eu ainda não tinha carta de condução mas sabia muito bem ditar as regras e as prioridades, para evitar os vermelhos e quando o sinal estava verde, era caminho a direito, mesmo que fosse uma subida, dizia ”prego ao fundo”, quando tínhamos forçosamente de parar porque o sinal estava vermelho e mudava para o verde, dizia, “para” “puxa o travão de mão e arranca”, e depois era aquela coisa “passa, vem mais a direito, para a frente, roda só a traseira, não dá, vai bater, pronto já está, para ….”
Aquele Fiat ainda nos levou a rallies, para o Poiso, Terreiro da Luta, Monte, e durante uma serie de anos transportou-me todos dias, na hora do almoço, quando vinha a casa da minha mãe.
À condutora do Fiat devo a minha pontualidade de hoje, nunca respeitei os horários, era sempre uma pessoa super atrasada, até um dia que me meteram na linha…
Devo à condutora do Fiat muitos anos de uma boa conversa, de um bom ombro amigo, de boas gargalhadas, de alegrias, mas também de algumas tristezas, angustias e de lágrimas nos piores momentos.
Ficam e morrem connosco histórias, confidências, partilhas de momentos mais angustiantes, onde a vida parecia que tinha andado para trás, ilusões e sonhos sem data marcada, encontros onde tudo tinha uma dimensão maior do que devia de ser, porque tudo era vivido com uma intensidade acrescida. Ah! Ingénuas que fomos….

19.08.15


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